segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O mush-up analógico e pré-histórico do Mister Madureira

Evento ocorrido em 21 de agosto de 2009

Vocês estão ligados numa técnica de produção sonora que chama mush-up? Pois bem, essa nova onda entre os Dj´s e produtores mais descolados consiste (a grosso modo) na junção de duas ou mais músicas que, devidamente picotadas e re-coladas, geram uma nova faixa. Posso citar João Brasil e o americano Girl Talk como dois grandes expoentes desta técnica. Para realizar seus trabalhos estes produtores utilizam modernos softwares e plataformas digitais de áudio. Resultado: uma infinidade de possibilidades para a mistura de músicas para a fabricação de novos sons. A tal reciclagem sonora.

Isto posto, posso agora relatar minha descoberta do óbvio. Foi preciso comparecer a mais um (já perdia conta de quantos foram) show de Jorge Ben para constatar que o tal do mush-up é realmente muito bacana, mas que não é novidade coisíssima nenhuma. Jorge Ben já pratica essa técnica há tempos, não sei precisar quanto, mas o bastante pra afirmar que o cidadão de Madureira é o pai e o mestre da versão mais antiga do mush-up, a analógica.

O formato atual dos shows de Ben pode ser resumido como: uma longa lista de hits cantados em coro pela multidão e tocados em seqüência pela aventureira Banda do Zé Pretinho. Ok, beleza. E onde fica o tal do mush-up nessa história? Simples, cumpadi! O mestre faz como os produtores: ele se apropria de sucessos (composições de sua própria autoria, e mais no final do show marchinhas e o indispensável hino do Flamengo) e os resignifica conforme os executa em seqüências inusitadas, modificando ritmos e modulando arranjos. É tudo feito no palco, ali na hora, surpreendendo não só a platéia, mas também a banda, que não a toa classifiquei como aventureira. Mais do que cantor ou guitarrista (a guitarra que gerou tanta polêmica no passado, hoje fica de lado durante boa parte do show) Jorge Ben atua como maestro. É um tal de “só a cozinha!”, “piano play!”, “bass play!” e os músicos, como bom cúmplices, vão entrando na onda e refazendo as músicas a cada intervenção do band leader.



Jorge segue ao longo de anos praticando essa reconstrução de sua própria obra ao vivo. No peito, na raça e no talento. Com sensibilidade, ritmo, muito ouvido e sem auxílio da tecnologia. Eu, que muito admiro os produtores de mush-up, pude aprender nesta última sexta-feira que as formas de se criar e executar a música ganham diferentes nomes e significados. Mas que a inventividade (independente da inscrição da música no Tempo/História) ainda é o grande atrativo para os ouvidos mais sedentos do bom néctar auditivo e dos corpos adeptos da sagrada tradição do rebolado.

Não sei se isso tudo é só viagem, ou se todo mundo percebe essas coisas. Mas no fim das contas o povo chega juntinho no show e responde balançando o corpo, jogandos os braços e abrindo incontáveis sorrisos. Jorge Ben consegue a façanha de ser moderno e popular. Complexo e facilmente digestível. Tudo ao mesmo tempo, e agora! Alias, outro bom resumo da noite (talvez mais interessante que esse blá blá blá teórico) é: o show é uma dose cavalar de energia. Aprecie sem moderação e sempre que possível. Salve simpatia!

João Xavi fez as fotos e o texto acima, além disso chegou atrasado para o show da Paula Lima, mas soube que foi ótimo, e que contou com a canja de Jorge Ben Jor cantando "Que Maravilha" e "Meu Guarda Chuva", e de Antônio Pitanga sambando no palco com a camisa do Vasco da Gama.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

3 na Massa

Advertência: a pergunta a seguir não é início de uma piada. Quantas pessoas são precisas para transformar um Circo em Cabaré? Começando a contagem, quatro cabras: Rica Amabis, Dengue, Pupilo e Boca. E cinco damas: Thalma de Freitas, Céu, Lurdez da Luz, Marina de la Riva e Karine Carvalho.

Conclusão, nove indivíduos se articularam para a realização desta tarefa. E a magia aconteceu. Para quem ainda não se ligou, estes nomes dizem respeito aos responsáveis por levar o disco “Na confraria das sedutoras”, do projeto 3 na Massa, para os palcos mundo a fora. Entre vôos por São Paulo e Recife esse time da pesada aterrissou no Circo Voador na noite de 8 de agosto e fez do Circo um verdadeiro Cabaré, que, na definição do Dicionário da Academia Brasileira de Letras é: Casa de diversão noturna, onde se bebe, se dança e se assiste a espetáculos ligeiros.

Um show para se comer com os olhos

Entre o Circo e o Cabaré existe algo em comum, os dois são espaços construídos para o entretenimento. Voltando ao dicionário, entreter é: “Prender a atenção de”. E a tomada de atenção do público foi o que aconteceu desde o primeiro acorde disparado pela banda de abertura, o Dois em Um, formado pelo casal Luisão Pereira (baiano, ex-guitarrista da banda Penélope) e Fernanda Monteiro (carioca e violoncelista). O som da dupla é low-fi, com Fernanda empunhando o violoncelo e cantando baixinho em cima de bases pré-programadas e crescentes intervenções da guitarra de Luisão. Os dois tocam sentados, comportados e o público entrou na onda da dupla. Assistiu, viajou nas texturas produzidas pela fusão guitarra+violoncelo+base eletrônica+voz sussurrante e aplaudiu com fé no final de cada canção.

A noite iniciou bem. Mas o espetáculo (Dicionário novamente: “Qualquer imagem que impressione ou atraia o olhar”) começou mesmo a pegar fogo quando o vídeo da atriz Leandra Leal usando espartilho, corpete e portando um perigoso chicotinho foi projetada nos fundos do palco do Circo (http://www.youtube.com/watch?v=tk9tGLZX2jY). “Eu tenho a imaginação fértil e gosto de agradar”, sentenciou a loira em português e francês. Abrindo alas no palco e sentidos na platéia para a entrada da primeira cantora da noite, Thalma de Freitas. Também atriz, Thalma domina o palco, joga com o corpo e com maestria introduz o clima sensual (“Relativo aos sentidos”) que percorre por toda noite. A deusa de ébano sede espaço para Céu que, diferente da antecessora, atua quietinha e do centro do palco, só com a voz apimentada consegue manter o clima e os olhares.

A dinâmica platéia/palco permanece de contemplação, até o momento que Lurdez da Luz (dona de um dos microfones do Mamelo Sound Sistem) trás o saculejo das ruas de São Paulo, com tempero da origem baiana, ao palco. O povo não consegue só contemplar, o corpo pede movimento, e daí em diante os rebolados começaram a ser mais constante por área da lona do Circo Cabaré Voador.

A noite prossegue, o vídeo de “Pecadora” (http://www.youtube.com/watch?v=BU-p4PS6kZY), com narração de Simone Spoladore, acende o telão e logo em seguida entra Marina de La Riva, carioca criada no interior de São Paulo, não gravou no disco, mas usa de sua voz potente e técnica vocal consciente para domar nossos ouvidos com laço de veludo. Para começar a fechar a tampa, ufa!, Karine Carvalho (a quem caberia facilmente o título de “pequena notável”) sobe ao palco para entoar o hit “Tatuí”. Nocaute!

Queixos caídos por todos os lados, pêlos ouriçados e a certeza que espetáculos como este somado a lua cheia, mesmo que artificial, inspiram noites de amor que só mesmo a versão de “Quero ter você perto de mim” do Rei Roberto pode narrar.


João Xavi é rapper gente boa, escreveu e fez as fotos que ilustram este artigo. A primeira é do grupo Dois em Um, e a segunda é Marina de La Riva no palco do 3 na Massa.